quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Os degraus das realizações


Os degraus das realizações.
Há quase trinta anos atrás, meu esposo foi convocado para ir consertar um motor de luz numa fazenda. Ele trabalhava como mecânico em uma oficina e sempre que surgiam problemas nos motores de luz das fazendas vizinhas o patrão mandava-o ir consertar.
E um dia resolvi acompanhá-lo. Era final de semana, eu estava de folga do meu trabalho, e casados há poucos meses, ainda era tempo do “licute”. Ao chegar à fazenda, como havia inúmeras barracas vazias, fiquei deitada em uma enquanto ele consertava o motor.
Não muito tempo depois, uma das convidadas do dono da fazenda aproximou-se da barraca em que eu me encontrava deitada e me falou: Você é a esposa do mecânico? Confirmei que sim a ela, onde a mesma me falou, num desprezo de voz inconfundível: Estas barracas são para os convidados do dono da fazenda, e eu quero ficar nesta barraca. Lugar de mulher de mecânico é na cozinha. Fora!
Eu saí, e nada pude fazer, porque qualquer atitude mais agressiva poderia por em risco o emprego do meu marido, porém chorei por muitas horas: De raiva, vergonha, humilhação, ódio.
E nessa noite de lágrimas jurei a mim mesma: A partir de hoje vou lutar desesperadamente para nunca mais ser humilhada desse jeito, e um dia ainda vou comprar esta fazenda. Não cheguei a comprá-la, e meu coração no futuro se aquietou e agradeceu pelo desprezo recebido, porque usei esse obstáculo como sustentáculo de motivação, de força e garra para superar esse e outros empecilhos que tentassem me derrubar.
E a partir desse episódio, eu trabalhei com mais afinco, me esforcei mais, era a primeira a chegar ao meu trabalho, à última a sair, a que mais se dedicava, e tal esforço valeu a pena, fui constantemente sendo promovida, até que cheguei ao cargo de gerente financeira.
Peguei o desprezo sofrido e transformei numa mola propulsora, e subi um degrau na vida.
Quando abriu uma filial em São Paulo, fui transferida para lá. E um dia, ao passar em frente à porta de um dos sócios da empresa, ouvi sem querer o comentário de um consultor terceirizado: Você é louco, como você entrega a vida financeira nas mãos de uma mulher que não tem nem um diploma universitário?
Estanquei. Permaneci parada, fingindo que meu salto havia quebrado, para ouvir mais um pouco, e não vi em nenhum momento o meu patrão me defendendo, dizendo que meu trabalho era bom, que meu trabalho era de qualidade, apesar da minha certeza de estar executando meu trabalho de forma satisfatória. Então pensei: É diploma que eles querem? É diploma que terão. Como era final de ano, as inscrições para vestibular pipocavam em tudo quanto era universidade. Inscrevi-me em sete, passei em seis. Só não passei na USP porque não tive tempo para me preparar adequadamente. E me formei com notas máximas e frequência exemplar. Hoje acredito que se não fosse esse consultor, eu não teria retornado aos estudos, porque o conformismo e as desculpas esfarrapadas grudam constantemente na nossa pele, e se descuidarmos, ela entranha e luta para não mais sair. Fui transferida para abrir mais uma filial na cidade de Manaus.
Hoje eu intimamente dou graças a Deus pela arrogância desse consultor. Ele me fez subir mais um degrau na vida, movida por mais um episódio que, ao invés de envenenar minha alma e me transformar numa pessoa amargurada, fez foi me jogar pra frente, porque transformei os espinhos em rosas. Nossos degraus na vida nunca serão formados somente de material macio e poroso, são formados também de pedras e espinhos, e cabe a nós, como seres inteligentes, fundir e transformar esses materiais em degraus firmes e fortes, para que não desmoronem nas passadas da nossa vida.
Mas um dia todo brasileiro é levado pelo sonho de possuir o próprio negócio, e resolvi ter o meu. Aluguei um pequeno espaço e iniciei meu mercadinho. Três anos depois o dono do imóvel colocou-o à venda, todo o bloco, do meu espaço e dos outros, e eu, como uma das inquilinas, tinha a prioridade na compra.
Dinheiro eu não tinha, mas eu queria o prédio. Já tinha minha clientela bem formada, crédito nos bancos, estava enraizada no bairro, então resolvi encarar mais um desafio. Só não penhorei nos bancos os meus dois filhos, mas o resto foi tudo, para conseguir os 50% do valor da entrada, e os outros 50% o proprietário me parcelou em 36 meses.
Foram 36 meses de penúria, nem sorvete de casquinha nós desfrutávamos. Pizza? Deus me livre. Bife? Vai sonhando... Até pra andar na rua era com cuidado pra não cair, senão teria que gastar com analgésicos. E conseguimos pagar o prédio, e hoje ele apresenta uma valorização acima do valor original em 1.500 %. Mais um esforço que valeu a pena, e subi mais um degrau.
Mas nossa vida é realmente pontilhada de altos e baixos, e um dia a dependência química entrou na nossa casa. Atacou um filho e depois o outro. E eu senti muito mais dor que quando fui enxotada duma barraca e quando fui desprezada por um consultor que mal me conhecia. E me sobrou duas opções: Sucumbir ou lutar. Até na dor temos a beleza do livre arbítrio, então resolvi lutar. Lutei e venci. Venci a vergonha, o medo e as drogas. Porque hoje meus filhos são homens livres das drogas. Foi quando resolvi escrever meu primeiro livro: “Quando a Semente Germina”. E subi mais um degrau na vida, porque este livro já trouxe luz e paz para muitas mães que trilharam o mesmo caminho de desespero que eu um dia trilhei.
E um dia veio o câncer e a luta pela vida. E no auge da dor e do medo resolvi escrever meu segundo livro: “Algemas da Alma”. Esse livro mostra os caminhos para não cair em depressão, aumentar a fé em Deus e não deixar a imunidade baixar, para que doenças oportunistas não te derrubem na caminhada. E como minha bagagem relacionada à dependência química já se encontrava bem arraigada, resolvi abordar o outro lado da dor do vício. A luta do próprio usuário de drogas.  E subi mais um degrau, porque não fui a primeira nem serei a última mulher a ter um câncer, e esse livro poderá ajudar a muitas mulheres a superar mais esse obstáculo.
No auge do tratamento resolvi abandonar tudo, alugar e vender o que fosse possível e me esconder no meio do mato, como um cão ferido, a lamber suas feridas para uma rápida cicatrização. E fiquei com medo da solidão. Então resolvi estudar. Estou especializando-me em Docência do Ensino Superior (Pós Graduação), e peguei meu projeto científico e transformei-o em meu terceiro livro, “Cristais do Amanhecer”, com direcionamento pedagógico voltado para uma melhoria no ensino de base, onde os primeiros anos do aluno são os mais importantes para inserção de cultura e aprendizado, e a motivação vem da interatividade da família com a escola. E subi mais um degrau na vida, porque as crianças de hoje serão os gestores no amanhã.
Como meus dedos já buscam sozinhos, involuntariamente, um teclado, estou trabalhando no meu quarto livro, “Lucros da Vida”, onde narro minhas experiências como empresária bem como tento resgatar o hábito da forma de educar os filhos através do “Era uma vez”, onde o pai senta-se à beira da cama do filho e ali lhe mostra que ele tem mãe e tem pai. Falo também do homossexualismo de uma forma natural, procurando mostrar que a homofobia é um câncer social que, se não controlado e esclarecido entrará em metástase em pouco tempo, porque homens e mulheres estão cada vez mais demonstrando sua própria opção sexual. E ao concluir mais esse livro mais um degrau subirei, porque ultrapassei meus próprios preconceitos e descobri que o maior lucro da vida é amar-se e amar ao próximo.

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