Uma visita de amor.
Após longa espera, a família fica ansiosa pelo dia da visita, e, na ânsia de agradar, termina enfiando os pés pelas mãos, contrariando normas e propósitos, e não absorvendo tudo de bom que este dia oferece.
A visita é para que a mãe e o pai melhorem o relacionamento com o filho, iniciem um diálogo, aprendam a conversar entre si, aprendam a respeitar as idéias um do outro e principalmente aceitem suas falhas, afinal, ninguém é perfeito, mas o ato de tentar aceitar deve contar como crédito.
A internação é um reaprendizado. Família e recuperando têm muito o que aprender, e é bonito e saudável reaprender, quando o coração está aberto para tal ato, e reaprender é também reconhecer que o recuperando “está tentando”.
A recuperação não acontece com o isolamento, nem com a terapia ocupacional. A recuperação acontece com o auto-conhecimento, com a desintoxicação principalmente da mente, posteriormente do corpo, e com a certeza da presença de Deus em sua vida. Isto vale também para a família, porém, muitas vezes, é mais difícil a desintoxicação familiar, porque o dependente já tem conhecimento que precisa desintoxicar, limpar seu corpo e sua mente... A família não.
O dia da visita foi criado não para expor o interno, como numa vitrine, para o restante dos parentes.: ¨Olhe como ele está bonito, gordinho...¨ Já se foi o tempo das historinhas de Joãozinho e Maria... O dia da visita foi criado para que interno e família crie novos laços, mais saudáveis, mais carinhosos, com mais diálogos, mais conhecimentos de ambas as partes. E isto ocorre quando há privacidade.
Quando se fala em mais carinho não significa mais presentes, mais comida, mais tênis, mais roupa bonita, e sim de mais AMOR...
No dia da visita, não perca tempo com materialismos, aproveite o tempo para conhecer o íntimo do seu filho, e dar abertura para que ele também lhe conheça, pois o afastamento do passado é passado, você só tem o hoje para viver, então aproveite-o. Às vezes um cafuné, um colinho e um sorriso transmite uma mensagem de amor maior que a frase “Estamos torcendo por você”... Ou “ Eu sabia que você ia conseguir...” Como sabia, se ele mal começou a caminhada?
Mãe, não chegue estressada porque está cansada por ter acordado de madrugada pra fazer aquela lasanha gostosa, aquele vatapá de “tirar o chapéu”... Às vezes ele realmente gostaria de almoçar uma comida gostosa, mas uma família em harmonia supera qualquer paladar, sendo harmoniosa, afinal, quando os jovens saem à noite não curtem um X-Salada, um Hamburguer, um Sanduichão??? Então? Porque gastar uma fortuna numa lasanha, pra levar sacolejando pra lá e pra cá? Pra lembrar do quê?
A palavra mágica é recomeço, é reaprendizado, é auto-conhecimento, e para isto nunca será necessário um batalhão na visita, quanto menos pessoa melhor, porque para isto não será necessário testemunhas, simplesmente dar os primeiros passos...
1º. Deixe as más notícias pelo lado de fora do portão.
Você deverá ser mensageiro(a) de esperanças, não de intrigas.
As más notícias irão ajudar seu filho em quê? Como ele poderá resolver problemas, se ele próprio, por enquanto, ainda é uma incógnita? Você não se acha auto-suficiente pra dar um “jeitinho brasileiro” na situação? Família guerreira é aquela que procura sempre o caminho mais produtivo para o resgate ao seu filho.
2º. Tranque o pessimismo e o mau humor numa caixinha bem resistente.
Quando o pessimismo tentar sair, dê uma gargalhada, isto o inibirá e o forçará a ficar trancado.
O mau humor é uma péssima companhia para ti e para os outros, além de torná-la(o) um(a) chato(a) e te dá uma úlcera danada. Faça do bom humor seu cartão de visitas e viva melhor.
3º. Seu umbigo neste dia não foi destinado a dirigir fogão ou pia.
Este dia é para você voltar a ligar-se ao filho pelo cordão umbilical. Sente-se e deixe-o deitar no seu colo. É hora do cafuné e do diálogo.
O tempo da visita é tão curto, então porque perder tempo dirigindo fogão??? Vá curtir seu filhão... Vá enchê-lo de beijos e abraços...
4º. Não tenha vergonha mostrar que você é.
Não se envergonhe de dizer pro seu filho que não sabe como iniciar uma conversa amigável com ele, mas que aceita sugestão. Simplicidade e verdade são componentes homogêneos básicos para tal prática.
Se ambos também quiserem curtir o silêncio coletivo nada impede, desde que a sintonia de carinho esteja entre vocês. O importante não são as palavras, e sim o sentimento que os liga.
5º. Aprenda uma matemática diferente.:
Reaprendizado = 8 horas por dia (dividido) por 2 visitantes (igual) 4 horas para cada hum (pai/mãe).
Para quem teve uma vida inteira e conheceu tão pouco de si e do filho, 4 horas é muito pouco, e se dividir com 5 pessoas (limite por visita), resta somente uma hora e meia em média para cada visitante.
6º. Aprenda a sonhar
Após trancos e barrancos, é hora de sonhar, planejar, ter esperanças para o futuro, e um sonho é bom quando é partilhado. Partilhe seus sonhos com o filho, o marido, a família. Sonhar não é pecado, porém sonhe dentro das possibilidades de realização.
Quando sonhamos tornamos nossa dor mais amena, porque há esperança de dias melhores, de um futuro mais promissor.
7º. Mostre que também está caminhando.
Comunique ao seu filho os seus progressos na caminhada, isto dará mais confiança a ambos, pois ele sabendo que uma nova realidade o espera aqui fora, fortalecerá seu intuito de prosseguir na caminhada. Quando a família não muda, o recuperando tem medo de encarar o mundo aqui fora, pois sabe que suas bases familiares estão frágeis, não lhe dando sustentação emocional.
A visita observada por uma terceira dimensão.
Mais parece uma revoada de colibris. Ajeitam a jaqueta, o boné com a aba pra frente já não está bem, será que o cabelo está assanhado o suficiente pra ficar legal?
Os anos não parecem ter passado pra esses jovens que esperam suas famílias. São crianças, tal qual o meu foi um dia, alegria incontida pela expectativa da chegada, a chegada da sua família, e brincam, empurram, saltitam e tudo vira uma farra saudável.
A síndrome da manada, formação em ¨L¨ em frente ao portão da Fazenda da Esperança, como se fosse uma coreografia ensaiada, mas são somente vontades comunitárias idênticas, sonhos parecidos, objetivos de coletividade, como se a proximidade de um emprestasse forças ao outro. Ansiedade misturada com alegria e saudade
Esta espera me fez lembrar de muitas outras esperas.: 22:00hs, 23:00hs, meia-noite, duas da manha... e cadê o filho? Pais em angustia e filhos na droga... E hoje uma espera... 9:00hs, 10:00hs, 11:00hs... Não são os pais que esperam, são os filhos... E não com angustia, mas com saudades, não com medo, mas com alegria... Este é um reverso da espera...
Seus rostos brancos, morenos, compridos, redondos apresentam uma única expressão, sorrisos através dos olhos, dentes à mostra provando que há alegria e sonhos, e me pergunto.:
- Será neste momento mais um broto de amor nascendo nesses corpos tão mutilados pela droga?
- Será nestes rostos tão bonitos que renasce uma nova vida? Sinto vontade de esquecer que em cada rosto presente há uma trajetória de destruição e tristeza, mas não podemos viver de sonhos e amnésias, temos que viver a realidade da lenta recuperação, da reaprendizagem familiar, do recomeçar do zero.
A cada família que chega o interno se entrega na felicidade do abraço, no beijo do amor, na alegria do reencontro, e sente o calor da presença familiar aquecer a dor do isolamento, e sinto um grande orgulho de ter a honra de presenciar a exposição de um sentimento tão profundo que é a esperança aflorada em cada fisionomia.: da mãe, do pai, do filho.
Mas há outras realidades neste trabalho de recepcionista-porteira, a realidade da família que comparece à visita vestida com o sentimento da obrigação, trazendo a tiracolo o rancor do passado como um manto de mau-humor , uma nuvem de tristeza tapando o sol da alegria do recuperando, e tudo murcha como uma flor de onze-horas, que a um pequeno toque se fecha, não permitindo que a luz faça parte de sua rotina, a luz do renascimento.
As famílias não precisam comparecer trazendo quilos de comida, basta que na sua bagagem tragam mais algumas gramas de esperança, de boas novas, de riso e amor, e com isto o dia da visita se torna um dia realmente especial, pois foi para isto que ele foi criado – Para ser um dia especial.
Outro aspecto que também não gostei.: A presença de veículos contendo 5 “amigos” e nenhum familiar. Se não há o familiar, quem, na cidade, selecionou esses “amigos”? Será que no bolso desses “amigos” não há o “consolo do lobo”? O “abraço de urso” ? O veneno que os recuperandos estão fugindo e ao mesmo tempo ansiando? Acredito ser um perigo, um risco, a entrada dos “amigos” sem o acompanhamento do amigo verdadeiro, que é o pai e a mãe.
Outro risco é a maledicência, a fofoca doentia, onde a família procura deixar pelo lado de fora dos portões da Fazenda, mas que o “amigo” leva, às vezes sem a maldade mas com o despreparo da situação.:
- “Pô, cara, tua mulher tá te metendo um chifre daqueles, meu...”
- “Cara, vi tua namorada esta semana, puxa, tá gostosa à beça...”
São situações onde o medo da traição juntando com a vontade de cair fora, proporcionam combustível para a fuga da caminhada, e toda semente plantada pelo carisma da fazenda e pelo trabalho familiar se esvai em poucas horas de contágio com o ¨amigo¨.
A quantidade máxima de pessoas permitida para a visita são 5 pessoas, mas onde está a regra que é necessário ter “lotação esgotada”? Em que conceito de amor diz que será realmente necessário ir 5 pessoas? Será que somente 2 ou 3 não aplacará tua vontade do abraço? Tua enxurrada de beijos? Às vezes duas ou três será mais capaz de preencher teus anseios de família do que a “lotação completa”.
As famílias deverão aproveitar essas visitas para aprender, ou reaprender a missão necessária do dialogo, do entrosamento familiar, do bate-papo descontraído. Estreitar o relacionamento pai-filho, esposa-marido, mãe-filho, e ir enriquecendo, mês a mês, este estreitamento familiar. Mas como reaprender esse método tão antigo e tão conturbado, que é o diálogo, se para onde se vira, há o primo, a tia, o amigo?
E os que ficam somente na expectativa da espera e a família não aparece? Seu sorriso murcha, sua expectativa se evapora, e fica a grande sensação do abandono, não importa os motivos da ausência. Acredito que o dia da visita é uma data totalmente necessária à presença dos familiares mais próximos, para tecerem juntos mais uma malha da vida, com fé, esperança e amor.
Gostei do meu dia de “recepcionista-porteira”, me fez apalpar com a alma, com a percepção, a alegria das famílias, a expectativa dos jovens, e a beleza do trabalho voluntário.
Parabéns Fazenda da Esperança, composto de todos que proporcionam sonhos ao mundo.
Agda (Agente da Pastoral da Sobriedade)
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