A
dor do medo
Somos regidos pelo conforto
do bem estar e passamos a temer a dor, como forma de autopreservação do corpo e
da mente. Sentimos medo da dor, porque a dor nos mutila principalmente pela
percepção e com isto advém a fobia dessa sensação, e esta fobia pode interferir
na nossa qualidade de vida não pela dor em si, mas pela “possibilidade” da dor,
e sofremos por antecipação, com medo do que virá. É a dor do medo.
O inverso também é verdadeiro. A perspectiva de uma festa, de um encontro amoroso, de uma vitória espetacular a alcançar, torna a espera um fator de prazer tão intenso que às vezes o embate para se chegar à realização do ato torna-se mais prazeroso que o ato em si, mas continuamos a perseguir somente o ato final, sem observar o enlace emotivo entre o interlúdio da espera com o da realização.
As experiências da vida deveriam nos ensinar a colher frutos de bem estar também com as perspectivas, porém nem sempre o vivido se torna lição, e passamos pela vida sem aprender tantas coisas que muito enriqueceriam a nossa vivência, porque na ânsia de se chegar, não apreciamos o prazer da caminhada, não percebemos que os caminhos que estamos trilhando têm tanta representatividade na nossa vida quanto a linha de chegada.
E quando nos sentimos encurralados pelos grandes obstáculos? Quando não encontramos a saída para situações desesperadoras? É quando o oxigênio “foge” do nosso cérebro, ocorre um “branco” total, entramos em pânico e as possibilidades desaparecem, nos abandonando num turbilhão de emoções desencontradas e improdutivas, provocando confusão e interferindo de forma negativa, impossibilitando a solução que às vezes está às claras na nossa frente.
Devemos aprender a viver também os “intermediários” que surgem na nossa vida e a angariar lições que nos servirão de experiências e sabedoria, e absorver ao máximo, de forma consciente, os ensinamentos que nos surgem e muitas vezes nem percebemos ou não damos o devido valor, por estarmos cegos de perspectivas e anseios pela consumação e com isto pulamos etapas somente no intuito de atingirmos a meta final, que é o prazer esperado.
Quando ocorreu o fato da dependência química dos meus filhos, eu senti inicialmente medo do sofrimento que viria, medo da dor que a sociedade nos infringiria, medo das consequências da quebra da nossa normalidade, medo do desfacelamento que nossos relacionamentos familiares sofreria, eu sofri por antecipação todas dores que o algoz social nos imporia pelo fato da droga estar inserida no nosso cotidiano. Neste aspecto não pulei as etapas, vivi-as detalhadamente, momento a momento, inclusive sofri pelo não vivido, só pelo imaginado, e com isto sofri em duplicidade.
Quando meu filho mais velho saiu de casa aos 17 anos, para curtir a sua droga como bem lhe desse na “telha”, eu senti a dor real da amputação de um membro, porque um filho não é nada menos que um membro, importante e insubstituível, pois sentimos as suas dores, sofremos os anseios de suas expectativas, sorrimos perante as suas vitórias, e muitas vezes esperamos inclusive que eles realizem os “nossos” sonhos, como se eles fossem somente a nossa extensão física. Mas não são, e quando, alguns meses depois ele retornou para casa, desiludido e alquebrado, meu coração o aceitou de forma tão natural, sem o resquício da rejeição ou da mágoa, que meu corpo mais uma vez se tornou completo.
Três anos depois meu segundo filho também envolveu-se com drogas, de forma tão profunda, que sua vida era regida somente em função da cocaína, e mais uma vez eu voltei a senti a dor da dor, porém eu já havia aprendido a tirar a viseira da cara e a enxergar à minha volta, e procurei conhecê-lo não como mãe e filho, porém como a um grande amigo, e dessa grande amizade nasceu meu primeiro livro: “Quando a Semente Germina”, onde narro a trajetória do nosso relacionamento, de quando eu era sua “inimiga” (pois eu queria tirar o seu objeto de prazer que era a droga) até quando eu me tornei sua melhor amiga, capaz de conversarmos sobre tudo, desde sexo, medos, dívidas às dúvidas, e essas experiências serviram de guia para muitas outras mães que ainda sofrem o flagelo da dependência química dos filhos.
Há sempre uma certeza na minha vida que as barreiras são sempre menores que nossa capacidade de superá-las, e mais uma vez tive que reaprender a manusear os meus medos e desse resultado consegui vencer o câncer que se interpôs no meu caminho, vivendo além da dor, daí nasceu meu segundo livro: “Algemas da Alma”, escrito nas angústias das reações sem controle e da rotina sem rotina, porque o amanhã não mais me pertencia. Nesse livro também relato as angústias do dependente químico, do seu desespero no abandono à droga até a estabilidade emocional na recuperação, dando-lhes voz aos seus gritos interiores, e abordo também o pesadelo físico e psicológico do abuso sexual, onde muitos são vítimas e poucos conseguem trazer à luz da vida essa chaga, por medo ou vergonha.
As sequelas são sempre os resíduos da vida, e quando tive que abandonar minha vida profissional eu senti o medo da solidão e o peso da “inutilidade”, mas nunca podemos deixar o medo bloquear nossa mente, e sim servir de adubo emocional em favor do nosso crescimento. Foi quando decidi retornar aos estudos, após 15 anos em que eu havia concluído o bacharelado, e, da minha Pós-graduação nasceu meu terceiro livro: “Cristais do Amanhecer”, com informações pertinentes a respeito de vários temas, desde DST´s a diabetes, hipertensão, em um projeto pedagógico que fala de inclusão familiar.
Meu quarto livro, “Lucros da Vida”, surgiu quando, num estalar de percepção, senti que eu não era mais o pilar central das emoções afetivas da minha cara-metade, após 27 anos de matrimônio, aí meu castelo sentimental balançou e eu percebi que a individualidade afetiva desnorteia o direcionamento e nos faz questionar: “E agora?”. Ao invés de me desesperar, reaprendi o mistério de fazer-me especial mesmo após os cinquenta, mesmo após 15 quilos mais gorda, mesmo após o início dos “pés de galinha” no rosto, pois a idade da alma independe da idade do corpo, e para manter minha mente ocupada nesse livro narro minhas experiências profissionais, resgato a beleza do hábito singelo de contar estorinha aos filhos e abordo também um tema muito polêmico – a homossexualidade – e sua exclusão social. Procuro fazer com que minha mente fique cada dia mais ágil, meus olhos passem a transmitir paz e minha boca passe a pronunciar murmúrios de cumplicidade e não palavras agressivas de descaso, pois a quebra da magia ocorre quando ambos os lados esquecem da grande magia de um "bom dia" repleto de simplicidade e sinceridade.
Quando ingenuamente definimos que já vivemos de tudo, todas as barreiras foram superadas e blá blá, blá, a vida nos ensina que o infinito das emoções de cada um é pulverizado de surpresas e essas pulverizações nos torna único perante todos, forte nos nossos medos, cientes das nossas fragilidades e humanos pela certeza que somos seres sociais num universo de sustos, dores e anseios. Quando me veio o diagnóstico de Lúpus, mais uma vez experimentei a sensação do medo e a incerteza do futuro, traduzidos na dor das articulações que tolhem os movimentos e tenta apagar o vislumbre do sorriso. Mas a força sempre supera o medo, e a esperança permanece o alicerce da vida.
Pela certeza de que o conhecimento deve ser um canteiro fértil para semeadura, resolvi cultivá-lo com mais um livro, para que tudo o que eu aprendi sirva também para outros, pela similiaridade ou não com meu trajeto pessoal. Este meu quinto livro - “Drogas: Prazer e Morte”, é mais um que nasce da dor ou do medo, porém que muito me ensina a transformar o medo em força e a dor em experiência. Pesquisei muito antes de passar adiante os frutos do conhecimento, para que ele seja extremamente útil a todos.
Deste livro – “Drogas: Prazer e Morte”, o mais doloroso de pesquisar e escrever foi o capítulo “O dependente químico e os descendentes sequelados”, pois mostra o retrato de pequenos inocentes, vítimas “por tabela” das loucuras dos seus ascendentes (pais/mães), trazendo no seu DNA a herança da droga, interferindo nos seus relacionamentos comportamentais, apresentando síndromes e sequelas que interferirão em toda sua vivência, enfrentando o peso do julgamento e a condenação involuntária advindas daquilo que um dia foi a “felicidade química” dos seus pais.
O uso de drogas é um fator clássico para se atingir somente o ápice final, que é o prazer, independentemente do caminho percorrido, movido inicialmente pela curiosidade ou pela necessidade de pertencimento a um grupo, e depois pela busca desenfreada da sensação que a droga oferece, “queimando” etapas importantes da vida, somente pelo prazer do prazer, tornando o próprio ato da realização de um projeto em atividade secundária, sem importância nenhuma.
Devido a grande inexperiência da juventude, é nesta faixa etária que muitos afastam-se das suas famílias, em busca de “algo a mais” que os levarão para uma viagem muitas vezes sem volta, e quando, por uma grande perseverança retornam, trazem na sua bagagem emocional tantas sequelas e mazelas, que comprometem não só a si, como à sua família e a sua descendência, pois em muitos casos, abandona-se a droga mas não os seus resquícios, e a sua “herança maldita” em muitos ainda apresentarão vestígios dolorosos.
Não pretendi nunca me fazer acreditar que em cada livro meu há um ensinamento gerido de minha sabedoria, muito pelo contrário, foram dos meus erros que nasceram o aprendizado, e, como diz o sábio, é menos doloroso aprender com os erros alheios que com os próprios, partindo dessa premissa espero que muitas famílias aprendam a conhecer verdadeiramente seus filhos, para que possam orientá-los devidamente e que possam chegar ao âmago da importância e da necessidade na vida deles primeiro que o aliciador ou o traficante. Tornem-se amigos e não somente pais e filhos.
Este livro se difere dos outros quatro, porque não foi “romanceado”, mas sim em formatação “artigo científico”, porque é a minha prévia para entrar no doutorado, pois quanto maior o medo, maior deverá ser os sonhos projetados, para o equilíbrio da balança emocional. Mortal todos somos, então vamos procurar viver a vida de forma tão intensa, para nos gerar a certeza que a cada dia mais uma semente de amor foi plantada e germinará em forma de prazer, apesar da dor. Prazer pela vida, pela família, pela sociedade e pelos projetos alcançados.
Quando conhecemos as nuances do inimigo, saberemos vencê-los ou atacá-los, porque ele já não será um mistério nem um “bicho de sete cabeças”, a luta já não se torna tão desigual. Em relação às drogas a premissa também é verdadeira. Ampliem seus conhecimentos, desmistifiquem muitos mitos que só interferem na compreensão, entendam que o melhor caminho entre o coração de pais e filhos é o diálogo e o amor, os obstáculos se superam com coragem e determinação e as doenças se vencem principalmente com autoestima, otimismo e muita... muita fé. Boa leitura![1]
[1]
Este livro “Drogas: prazer e morte” encontra-se em fase final de edição. (nota
da autora)
Material postado neste blog da autora www.cicatrizesdadroga.blogspot.com
em 23/07/2013
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