sábado, 5 de janeiro de 2013

Algemas da Alma


4)    Algemas da alma.
Conforme Augusto Cury (psiquiatra, psicoterapeuta, cientista e escritor), conhecedor da mente humana de forma espetacular, ele nos dá um conhecimento amplo a respeito da nossa memória e de como as drogas atuam sobre a mesma, formando algemas na mente e na alma, prendendo os usuários de forma intrínseca, impedindo-os de se libertar do vício, conforme especificado.:  “A memória e o fenômeno RAM. Todos os dias produzimos inúmeras cadeias de pensamentos, ansiedades, sonhos, angústias, prazeres, que são arquivados automaticamente na memória.
O registro das experiências na memória é involuntário, não depende da vontade consciente do homem. Você pode ser livre para ir aonde quiser, mas não é livre para decidir o que quer registrar na sua memória. Se viveu experiências ruins, se passou por uma angústia, se houve piques altos de grandes emoções, boas ou más, tudo é registrado na memória.
Cuidar da qualidade daquilo que é registrado em nossas memórias é mais importante do que cuidar das nossas contas bancárias. Nestas, você deposita dinheiro, naquelas, você faz os depósitos que financiarão sua riqueza emocional.
Cada pensamento e emoção são registrados automaticamente por um fenômeno denominado RAM (Registro Automático da Memória).
As pessoas dependentes de drogas possuem uma quantidade de experiências emocionais muito maior do que as que não as usam. Essas experiências também são qualitativamente mais tensas do que a média dos mortais. Elas estão saturadas de ansiedade, humor deprimido, desespero, piques elevadíssimos de emoções desenfreadas. O fenômeno RAM vai registrando continuamente  essas experiências em zonas privilegiadas da memória, o que as deixa mais disponíveis para serem lidas e utilizadas.
Cada vez que usam drogas, algumas cenas são filmadas em zonas privilegiadas da memória. Uma mente sem metas e sem sonhos vai sendo formada, clandestinamente. Como as drogas produzem efeitos intensos na psique, esses efeitos ocupam espaços importantes nos arquivos inconscientes da memória. Tais experiências são registradas na memória, usurpando áreas nobres que deveriam ser ocupadas por sonhos, projetos, metas. Por isso, os dependentes químicos tornam-se velhos em corpos jovens.
Dá para entender, por meio desse mecanismo, porque os dependentes químicos, com o passar do tempo, perdem o encanto pelos pequenos detalhes da vida, e não conseguem extrair prazer das coisas comuns e normais. Só procuram prazer naquilo que foge do padrão de normalidade.

a)      A âncora da memória.: Como as sensações do momento do uso de drogas ficam, em grande escala, registrado na  memória, quando chega, por exemplo, aquele horário específico, ou aquele local determinado, ou  mesmo aquela pessoa próxima ligada à droga, é disparado o gatilho da memória. Assim, o usuário não pensa em outra coisa a não ser em usar drogas.

Qual o resultado disso? Um dos mais graves  é que muitos jovens queimam etapas preciosas da vida. Jovens fisicamente tão novos produzem em poucos anos um filme de terror em seu inconsciente. Em poucos anos, adquirem um estoque de experiências que muitos velhos jamais terão em toda a sua jornada de vida.  São jovens que perderam a singeleza e o encanto da vida, envelheceram no único lugar em que é inadmissível envelhecer.: No território da emoção.

A cocaína  não provoca somente  dependência física, provoca dependência psíquica, o que a torna uma droga mais sutil, pois seus usuários dificilmente reconhecem que estão dependentes, a não ser numa fase tardia. Quando o gatilho do desejo compulsivo é detonado, surge um estado de ansiedade e inquietação que os conduz a procurar uma nova dose da droga para tentar alívio.

O álcool provoca alta dependência física, pois ela tem a capacidade de fazer parte do metabolismo, da “vida”  do organismo,  a tal ponto que, na sua falta, o organismo produz reações intensas, a chamada síndrome de abstinência. Essa síndrome pode produzir desde sinais e sintomas leves até morte.

Cada droga, lícita ou ilícita, atua geralmente de forma diferenciada no organismo, umas atacando mais a parte física ou fisiológica, outras, a parte psíquica, emocional, mas todas levam a uma mesma direção.: o aprisionamento emocional, o cerceamento da liberdade, tornando prisioneiros de si mesmo jovens que deveriam ser livres para amar e ser feliz.”

b)      Canais de comunicação.
Se crítica resolvesse problemas de dependência, muitos usuários já teriam abandonado o vício, pois o que mais encontram em seu caminho são críticas. O pai critica e briga, a mãe critica e chora, o irmão critica e se irrita, o vizinho critica e fofoca, o professor critica e se solidariza, porém o problema é bem maior que a capacidade de ajudar, o amigo critica e se afasta, os parentes criticam e condenam, porém ninguém elogia, porque não encontra o que elogiar, mas o elogio cria novos canais de comunicação, portanto, é importante criar ações e situações que gerem elogios, para, a partir daí, vir o elo de ligação do dependente com a família, e a busca da cura, da liberdade, do renascimento.
Os usuários de drogas são amantes da liberdade, da alegria, do prazer, da felicidade, mas sorrateiramente matam aquilo que mais os motiva a  viver, porque a sua liberdade finda-se na próxima esquina de boca-de-fumo, se aprisiona na dívida com o traficante, se mutila junto à família, porque precisa roubar para manter seu vício, se condena perante a sociedade porque comete crimes  para continuar se drogando.

c)       Psicoadaptação.
Psicoadaptação é a incapacidade da emoção humana de sentir prazer ou dor frente à exposição do mesmo estímulo. A repetição do mesmo elogio, da mesma ofensa, mesma paisagem, mesma roupa, faz com que a emoção se psicoadapte e perca a capacidade de reação.  A repetição de qualquer ato ou fato elimina o prazer desse referido ato, pois o que era especial se torna “mesmice”, o que faz com que a mente não sinta a “pulsação” da emoção esperada. 
A atuação desse fenômeno (psicoadaptação) gera uma das mais graves consequências do uso de drogas psicotrópicas, e à medida que os usuários se submetem aos intensos efeitos da droga, vão psicoadaptando-se a eles, e, consequentemente só conseguem excitar a emoção diante de um estímulo potente, este é o principal motivo que, na dependência química, a tendência é sempre subir na escala das drogas, sendo sempre a posterior mais forte que a anterior, sempre na busca de uma “sensação relâmpago”, do prazer intenso, da “lapada” gostosa da droga, e com isto cada vez se afunda mais no perigoso mundo das drogas.
Como raramente temos no ambiente social e familiar  estímulos a emoções tão fortes  quanto nas drogas psicotrópicas, os usuários acabam perdendo, sem perceber, o prazer produzido pelos pequenos estímulos da rotina diária, como, por exemplo, dividir uma laranja com o irmão, discutir um filme, participar de um joguinho de futebol, de baralho, de damas, subir numa árvore, esconder a dentadura da mãe. Tudo isto são ações que trazem sensação de bem estar para o organismo padrão normal, mas não a um organismo viciado em drogas.
Com o decorrer do tempo os usuários de drogas se tornam infelizes, com grande dificuldade de sentir prazer pela vida. Só conseguem se animar com grandes eventos, tal como uma festa ou um show e, mesmo assim, precisam usar drogas para obter alguma excitação emocional. Dessa forma, eles destroem lentamente, e sem ter consciência disso, a parte mais delicada da inteligência humana, a emoção.
Os usuários de drogas comportam-se como se fossem os mais fortes dos homens, pois, se necessário, colocam suas vidas em risco para obter a droga, mas, no fundo, são frágeis, pois não suportam qualquer tipo de sofrimento. A dor emocional é um fenômeno insuportável  para eles, por isso, buscam desesperadamente uma nova dose de droga para sentir alívio. Nesse sentido, muitos usuários, após ficarem dependentes, usam as drogas como tranquilizantes e antidepressivos, ainda que elas sejam ineficazes e se tornem mais uma algema para sua alma, porém seu organismo prefere algemas que a opção de viver são, porque a sanidade oferecida no momento é pior que a prisão, pois não traz emoções fortes ou o prazer da felicidade em coisas simples.
Quanto mais se envolvem nesse círculo vicioso, mais se deprimem, quanto mais fogem da solidão, mais solitários ficam. Quanto mais fogem da ansiedade, mais se tornam parceiros da irritabilidade e da intolerância, e esse circulo vicioso traz uma grande perda de qualidade de vida para si e para toda sua família, porque este pesadelo não é vivido isoladamente. A família sofre junto com o usuário, participa de suas facetas, só não vivem a “felicidade química”, participam e pagam somente a “conta” da droga, que é a angústia, a insegurança, o medo e as dívidas, pois a droga é cara, e quando o dependente químico já se encontra no fundo do poço, não há dinheiro suficiente para o consumo, aí os bens familiares são arrolados neste comercio da morte.

Os índices de eficiência do tratamento de câncer são infinitamente maiores do que os da dependência de drogas, pois o câncer ataca o organismo, e as drogas ataca organismo e alma. Ao findar um tratamento de quimioterapia ou radioterapia a incidência do retorno do câncer é pequeno, enquanto que, em se tratando de dependência ao uso de drogas, o risco da recaída é imenso.
Se o dependente se psicoadaptar à sua miséria, se não tiver mais esperança de que pode ser livre, não ter esperanças de se recuperar, não conseguir ver horizonte à sua frente, e principalmente, não quiser uma nova vida, sem drogas, não há como ajudá-lo, pois ele próprio engoliu a chave da sua liberdade.

d)      Uma recaída não é a morte. Uma recaída nunca deve ser encarada como a perda de uma guerra. Uma guerra é composta de muitas batalhas. Uma recaída deve ser encarada somente como a perda de uma das batalhas.  Devemos estimular o usuário de drogas a continuar lutando contra a dependência, mesmo após as recaídas.:
1)       inserir nele a necessidade de nunca desistir de si mesmo. Persistir sempre.
2)      Tentar sempre, aprender a ser um agente modificador de sua história. Só ele pode.
3)      Não se auto abandonar. Recomeçar sempre com esperança.
4)      Não se psicoadaptar à sua doença. Não se acomodar com a situação.
5)      Aprender a ter prazer nos pequenos eventos da vida.
6)      Não ter medo das suas dores e frustrações, mas trabalhá-las com dignidade.
7)      Resgatar a liderança das suas emoções.: Você é seu próprio dono, não as drogas.

Nenhum tratamento pode ser coroado de sucesso se os pacientes não enriquecem sua história emocional e fortalecem sua capacidade de administrar seus pensamentos. Muitos prometem que nunca mais irão usar drogas.: “ Pela minha  mãe” , “pelo meu velho”, “pelos meus filhos”, “pela minha mulher”. Outros ainda, tomando as lágrimas como seu endosso, prometem.: “drogas não fazem mais parte da minha vida”. E todos são sinceros nessas afirmações... naquele momento. Mas por que não as sustentam? Porque não conhecem o funcionamento da mente, não sabem desviar os focos de tensão, sua inteligência fica travada pela síndrome da abstinência e tornam-se impossibilitados de raciocinar com liberdade.
Os usuários de drogas são os que mais fazem promessas no mundo e os que menos as  cumprem, perdendo apenas para alguns políticos, e o mais doloroso é que eles prometem não para os outros (como os referidos políticos), mas principalmente para si mesmos, e quando há a recaída, vem a imensa decepção não só da família, mas dele próprio, e, neste ciclo vicioso, ele próprio se desapaixona da luta, torna-se desacreditado, para si e para os outros, e a cada recaída mais sua estima e sua auto confiança desce “ralo abaixo”, porque nem ele próprio acredita mais na sua força.
Nada se apaga daquilo que já foi registrado na memória, mas nunca é tarde para dar prosseguimento a esse “filme da vida”, portanto recomeçar “as filmagens” com paisagens diferentes, com roteiros diferentes, transformando esse “filme de terror”  em um filme de amor.: amor pela família, amor pela vida, amor a si mesmo.
Os pássaros, às vezes, durante a madrugada, sofrem intensas agressões do meio ambiente.: frio intenso, sons que representam predadores, ventos impetuosos, chuvas torrenciais. Eles têm motivos para despertar silenciosos e angustiados, mas, ao invés disso, eles cantam, rejubilam, alegram as manhãs com seu cantar maravilhoso.

Mas manhãs maravilhosas a muito tempo não fazem parte da vida de Sergio. Ou ele acorda com medo do que virá no decorrer do dia, sabendo que pode não conseguir se afastar de mais um dia de drogas, ou ele acorda com uma grande sensação de culpa, porque realmente não conseguiu se afastar dela.