quarta-feira, 18 de abril de 2012

Na borda do poço

Na borda do poço.

Um dia eu desci ao fundo do poço, para apoiar o peito do pé na lama da droga, segurar a mão do meu filho e trazê-lo de volta.: Resgatado, auto confiante, vivo e livre. Livre das drogas.
Hoje, quase três anos após a saída do Ralf da internação, sem nenhuma recaída, sinto que venci a batalha, e tal qual uma grande guerreira, sinto o “prazer de Napoleão”, porque olho a planície da vida e saboreio o prazer da vitória. Senti que escalei as paredes do poço, e hoje cheguei à borda, olho para o fundo do mesmo e às vezes nem sei onde achei tantas forças, depois me lembro que escalei movida pelo amor e pela fé.
A cada amanhecer agradeço a Deus por ter me dado a percepção do caminho a trilhar, a certeza que nunca posso interromper meus passos nesta caminhada, pois não posso abandonar a luta contra a dependência química, porque no mundo há muitos “Ralfs”  tocando o pé na lama e estendendo a mão pedido resgate.
Meu filho está “limpo”, “de boa”, feliz, mas muitos outros garotos ainda trilham caminhos tortuosos, na fome da dependência e em contrapartida, na sede da liberdade, e tal liberdade nunca virá se não houver esperança, exemplos de superação, exemplos de vitória, como o nosso, a gritar ao mundo que Deus existe e que a dependência química pode ser vencida. Sentimos orgulho de sermos luz, de sermos esperança para quem ainda luta para se livrar das drogas.
Mães, não abandonem a caminhada, porque o que está em jogo não é somente um homem,  uma mulher, é o(a) seu filho(a), fruto de seu útero, que traz em sua corrente sanguínea o seu sangue,  e na mente, mesmo adormecida, os seus ensinamentos.
Quantas noites eu tentei adormecer porém a sombra do medo turvava meus pensamentos, o medo surgia como garras assombrosas, a vontade de abandonar tudo “à Deus dará” era muito forte, porém mais forte foi a minha vontade de não perder meu filho para as drogas, e nesta quebra de braços nós vencemos, porque nunca perdemos a fé, porque nunca desistimos, porque a vontade de deixar as drogas no passado superou todos os obstáculos surgidos.
Aprendam a olhar de frente a vida, mesmo que ela lhe pareça turva, porque através da penumbra da droga, há o vislumbre de um novo amanhã,  e é este vislumbre que lhes guiará para uma nova vida, um novo florescer, um novo renascimento – SEM DROGAS.

domingo, 25 de março de 2012

A visita do medo

A visita do medo.

Dois dias no  CECOM


Hoje fui ao Cecon (Hospital do câncer de Manaus). É onde há o interlúdio, a "quebra", entre a vida e a dor. É onde temos que andar trilhando a fé, a ânsia de viver, a esperança da cura, onde a matéria deve representar pouco, e o pouco que representa é triste.

E foi lá, neste dia de medo, que senti que nós só somos o que sentimos, e não o que temos.  E o que sentimos às vezes se transforma em dúvidas, medo e anseio. E também tristeza, por ver tantas mulheres mutiladas no corpo e na alma. Há homens também, mas a incidência maior é na mulher. São corpos deformados, onde o câncer come as carnes, fere os ossos, onde os corajosos esperam a cura e os desesperançados pedem a morte.

É muito triste, quem lida diretamente com doentes sabe disto, mas eu sempre viví no meio do riso e da alegria, do diálogo com os clientes o dia inteiro, com o comando aos funcionários, e hoje não pude comandar ninguém, não pude rir, porque o riso estava longe do meu rosto, realmente não consegui rir, e me perguntei se sou corajosa ou covarde.
Amanhã vou lá novamente, e espero que amanhã eu esteja mais forte, eu esteja mais preparada, porque hoje senti tanta vontade de dar alento a muita gente mas não pude, porque eu não soube o que dizer. Eu que sempre levei esperanças a muitos, hoje eu dei somente um olhar, e nada mais.

No segundo dia foi mais fácil porque nosso espírito está preparado a não levar o mesmo susto duas vezes seguida, e pude analisar com mais tranquilidade tudo o que eu via.
Lenços na cabeça, uma nova moldura à aparência da mulher, onde se esconde um couro cabeludo, sem ser mais cabeludo, onde o emocional de cada uma molda uma nova aura, porque já houve uma transposição entre o antes e o durante, porque os grandes obstáculos da vida geram um marco na nossa existência, gera um divisor.

Há o medo palpável nas fisionomias presentes, mas também risos de, espantem, pacientes de longa data, onde o medo inicial já foi substituído pela brisa da esperança, onde há vislumbre de um novo horizonte de cura. Há também muitos rostos mutilados, pedaços amputados, sacolinhas coletoras penduradas, declaração viva da doença existente e ainda não vencida, prova viva da nossa fragilidade e mortalidade.
O cuidado observado de se evitar o aglomerado e o acotovelamento, onde a dor é uma constante em muitos.: A dor física e emocional, quando há penumbras na alma. Para muitos não seria fácil enfrentar uma guerra de “cheguei primeiro” ou então “vivi minha vida pra terminar assim?”.  O serviço de auto-falante é usado com destreza, passando informações claras e constantes a todos que aguardam sentados (SENTADOS) a sua hora de consultas.

Lanche gratuito para pacientes e acompanhantes, pois muitos chegam no Cecom só com o dinheiro do ônibus, e passariam fome. E um corpo esfomeado é um corpo triste – A fome é triste, a dor é triste – E se puder eliminar pelo menos um dos inimigos (a fome), luta-se somente com a dor. Lanchei, apesar de ter dinheiro para pagar meu próprio lanche em outros pontos que pudesse lanchar, para falar com conhecimento de causa de que o leite não é azedo e o pão não é dormido.

O atendimento humanitário (gente a gente) é realmente de gente para gente e não de funcionário para bicho, pois é o que ocorre em muitas repartições públicas, onde os funcionários, estressados pelo meio em que trabalham, transferem adiante a aridez de seus sentimentos.

Quando o funcionário fala “algumas consultas podem demorar porque aqui é um “hospital de câncer” e exige tempo na consulta”, denota nesta frase todo um respeito pela dor e angústia do próximo e não somente a rigidez de uma necessidade de terminar logo a sua carga horária e ir embora. É um amor pelo próprio trabalho realizado.

Reconheço que não é fácil executar um trabalho em um ambiente em que para muitos (pacientes) seja o “quarto escuro dos pesadelos” e para outros seja a “porta do cemitério”, pois o próprio baixo astral dos “visitantes” tende a contaminar com mau-humor todo o ambiente.

O que muitos não se lembram é que no Cecon também poderá ser o reinicio de uma nova vida, sem câncer, sem dor, sem medo, e acredito que é nessa premissa que os colaboradores se norteiam para, a cada dia, com o seu trabalho, levar solidariedade àqueles que os procuram.

A gratificação dificilmente será visível, porque quando o sorriso daqueles que aqui um dia estiveram aflora, eles já estão longe, no seio da sua família. Mas o riso não se perde, assim como a esperança da cura também não, porque nem tudo é palpável, mas se houve a cura há o riso, em qualquer lugar, seja perto ou longe.

Assisti um momento com o grupo Gamma, e achei válido o intuito de levar DEUS a todos, com mensagens de esperança e fé, lembrando a todos que um dia temos que partir, portanto, enquanto esse momento definitivo não chega, vamos viver com alegria e fé. Não somos somente matéria, somos matéria e espírito, e, se a matéria está doente, vamos manter nosso espírito sadio, para que haja um balanceamento na nossa vida, afinal, nem só de pão vive o homem.

Os banheiros funcionam (há uma pia necessitando de reparos), e tem papel higiênico de qualidade, e isto é raro em inúmeros lugares públicos, observei também a brinquedoteca, para as crianças em tratamento e (eventualmente) os filhos de pacientes em tratamento ambulatorial, mais um exemplo de humanização.

Tudo isto nos mostra que, não importa nosso orgulho ou nossa soberba, somos mortais, e como tal, não vamos agir como deuses pagãos, e sim como mortais, nem melhor nem pior, respeitando o próximo, nos doando em prol de um bem maior, porque, quando nossa hora da “partida” chegar, nós tenhamos “créditos espirituais” e possamos ter a certeza que realmente VIVEMOS e não somente que só passamos por esta vida vegetando na mentira emocional de que somos GENTE.

Por traz de todo esse labor, existe uma administração, e é daí que vem a “política de trabalho”, é daí que vem a orientação, as diretrizes a serem seguidas, o respeito pelo paciente, o respeito pelo dinheiro público, dinheiro este usado para cicatrizar as feridas do câncer. Esta administração, até onde pude observar (só visitei o ambulatório), está de parabéns pelo trabalho executado, pois leva em conta os meios para justificar os fins.: Não importa somente a cura, mas sim como cura. Com humanidade.
Parabéns ao CECOM, foi válido conhecer o trabalho de vocês, mas espero que, dependendo dos resultados dos exames laboratoriais, esses dois dias de visita aí fique somente na memória, porque, apesar de toda boa percepção que tive, espero não retornar...

Agda Meneses

e-mail                   agdameneses@gmail.com

Matéria postada no blog.: WWW.cicatrizesdadroga.blogspot.com


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Alem dos olhos


Além dos olhos.

Material dedicado a todas as mães que possuem filhos dependentes e ex-dependentes químicos, guerreiras pela batalha que vive e especiais pelas vitórias conquistadas.

Alguns caminhos trilhados, independente do sobrenome ou endereço, são comuns a todas as mães, porque a família é diferente, mas o problema é comum a todas.:  A dependência química.
Não existem receitas mágicas para superar os problemas, seu e de seu filho, mas existem exemplos e experiências  já vividas, que podem servir de parâmetros para muitas mães que ainda estão em águas revoltas, sem saber a direção a ser seguida.

Não tente solucionar todos os problemas de uma só vez,  isto é humanamente impossível, comece por etapas a sua caminhada, vá reaprendendo a viver, a lidar com os problemas, a contornar os obstáculos, e vá adquirindo forças para a grande luta, onde a recuperação do seu filho, e sua, é o troféu desejado.


1ª. etapa.:
Enxergar além dos olhos.
Para uma família reconhecer a dependência química dentro do seu lar, todos os colegas, vizinhos, amigos e inimigos já sabem do problema, mas, por medo, descaso ou precaução, ninguém tem coragem de chegar para a “mãe inocente” e soltar a bomba.: Teu filho está consumindo drogas.
Aprenda a reconhecer os sintomas estranhos que estão ocorrendo em sua casa, o comportamento emocional do seu filho, seus fusos horários, sua alimentação, seus objetos pessoais. Mãe é detetive em tempo integral, e, além da lupa, tem que andar com a “bola de cristal”  a tiracolo. Tenha sua percepção em alta e acredite na sua intuição, no seu sexto sentido, é preferível pecar por excesso que por omissão.
Nunca pense que droga, AIDS, malária e acidentes só acontecem na casa do vizinho. Na atual sociedade, todos estamos à mercê desses problemas, porque a educação aos filhos a cada dia torna-se mais difícil, em compensação o traficante está na esquina da sua casa ou na escola do seu filho.

2ª. etapa.:
Reconhecer a incapacidade de lidar sozinha com o problema.
Toda mãe tem um “quê”  de super-heroína, mas em se tratando da dependência química, ser heroína é exatamente reconhecer sua fragilidade, reconhecer que sozinha o fardo é muito pesado e os resultados inadequados para o tamanho do problema. Seja realista, o milagre vem da capacidade de dizer.: “Eu sozinha não consigo resolver este problema”.  Porque você, mãe, quando descobriu a dependência química, muitas águas já rolaram “por debaixo da ponte” do seu filho, e a ponte já está “encharcada” de problemas, de vícios, de rebeldia.


3ª etapa.:
Buscar ajuda nos lugares certos.
Quando bate o desespero, a mãe quer se agarrar a qualquer ponto de apoio justificável, e “abelhudos”  sempre vão existir. Muitas mães tendem a acreditar em “encosto”,  em “praga”, em “macumba”, muitas chegam a acreditar em “trabalho feito pela fulaninha”,  quando na verdade, o “trabalho” foi o ato da ingestão da droga, e isto causa danos irreparáveis,  mas que podem ser contornados por métodos alternativos.
Há muitos lugares onde a “recuperação da conta bancária” é mais prioridade que a recuperação do seu filho. Cuidado com fórmulas “milagrosas”, para a dependência química não existe “remédio milagroso”.



4ª. etapa.
Reconhecer o tempo como um grande aliado.
São raríssimos os casos bem sucedidos de “tratamento relâmpago”.  A dependência do seu filho não foi “relâmpago”, foi uma seqüencia  de consumo, abusos, excessos... O tratamento não é só uma desintoxicação da droga no organismo, é principalmente um divisor de vida.: Do antes... Do agora... Seu filho vai reaprender a viver, vai reaprender a viver sem drogas, vai reaprender a ser feliz sem drogas, e ser feliz, sentir felicidade “limpo”, sem drogas, é difícil, porque o cérebro já havia se acostumado à “lapada relâmpago de felicidade”  na hora do consumo... É muito difícil achar graça na vida de “cara limpa”. Para reaprender a viver é preciso tempo.


5ª. etapa.
Se familiarizar com todas as nuances da dependência.
Há um dito popular que diz.: Fique próximo de seus amigos e mais próximo ainda dos seus inimigos, então conheça tudo o que se refere à dependência química, os sintomas, as seqüelas, as reações, familiarize-se a tudo relacionado ao “grande inimigo”, bem como aos “métodos e amigos” , os leva-e-traz da droga. Não tenha medo de aprofundar-se neste submundo, de conhecer o inimigo. O conhecimento desmistifica  muita coisa e faz o medo diminuir... Medo de que o filhão não se liberte, medo de que você não consiga ser forte o suficiente, medo do desmembramento da família...


6ª. etapa.
Supere a vergonha
Aquela sensação de “fogo no rosto”, aquela vontade de tornar-se invisível, aquele “torção nas tripas”, aquele nó na garganta, e todas as outras “provas de fogo” que a mãe tem que passar quando o assunto vem à baila, quando as ações controvérsias do filho surgem  nos comentários, nas reclamações, nas ações do dia-a-dia que você tem que conviver, é como se o inimigo te fizesse se curvar, quebrando sua resistência como se você fosse um inseto invertebrado, e o mundo se fecha na sua vergonha.
Este é o momento em que achamos que nós também chegamos ao “fundo do poço”, porém infelizmente este ainda não é o fundo do poço, mais provações virão, portanto está na hora de começar a achar forças para superar mais isto, para encarar o mundo de rosto erguido, afinal, você não é uma “bandida”, você é mãe, você é vítima, e você merece respeito.


7ª. etapa.
Apaixone-se por você mesma.
Primeiramente  ame-se, se cuide, depois conquiste o respeito do restante da sua família, conquista esta que vem com ações, com comportamento de coragem, atitudes sadias, raciocínio claro, e por fim, respeito da sua própria comunidade, afinal, não é você quem  anda “tomando emprestado” tênis, roupas, aparelho eletrônicos para penhorar na “boca”, para trocar por drogas, convença-se a você mesma, depois ao mundo aí fora... Evite porém a imagem de “coitadinha”.: “Hô coitada, o filho dela é um...”.  Prefira a imagem de mulher batalhadora, de garra, de coragem, de fé, conquiste o respeito e o auto-respeito... Não tenha mais medo de se olhar no espelho e ver nele o reflexo do fantasma de si mesma.
Corte seu cabelo, pinte suas unhas, tire os cascões de seus pés, passe um batonzinho suave, use um perfume especial, leia, faça um curso,  aprenda a ter voz ativa, pare de dizer somente sim... sim... sim...  para todos...  se esta não é a sua vontade.


8ª. etapa.
Tente o diálogo com seu filho.
A palavra “tente”  é proposital, porque nem sempre o diálogo é fácil, porque, aos olhos do filho, você é a “inimiga”  que vai rechaçá-lo, criticá-lo, tentar tirar dele a “felicidade química”, e isto é muito doloroso para ele, é como um “divórcio”, e quem está apaixonado não quer se divorciar, e ele está “apaixonado pela droga”, e o inconsciente domina o consciente, o desejo de “ser feliz”  supera a vontade de ser livre, livre das drogas.
Mas não há barreiras para o amor,  então use esta arma para se aproximar do seu filho. Tente uma vez, duas, três, dez vezes, iniciar um diálogo, mostre seu amor, mas mostre também que não está a fim de afundar com ele, que não é por ser mãe que você irá “segurar vela” para esse “amor  da morte”... Dele com a drogas. Converse, abra seu coração, abrace, beije, e chegará o momento em que ele pedirá ajuda.


9ª. etapa.
O problema financeiro – aliado ou inimigo.
Quando o filho pede ajuda surge um outro problema – Dinheiro. Porque o tratamento exige dinheiro, não é só dizer... Ele vai se tratar... Existe todo um processo envolvendo recursos que nem sempre há disponibilidade, principalmente porque, entre o período do vício e o momento do pedido de socorro, muitos ¨tropeços financeiros¨  já houve na sua casa. Portanto, quando ocorre o “momento mágico”  do pedido de socorro, é hora de pedir ajuda onde for possível, porque provavelmente novos horizontes poderão surgir para você e seu filho, a partir de um tratamento.


10ª. etapa.
Saudade, alívio e sentimento de culpa.
Ao internar um filho, toda mãe diz.:  - “Tenho esperanças que ele sairá um novo homem, recuperado...” . Mas lá no fundo uma sensação de alívio danada toma conta da gente, e, junto com esta sensação vem também um sentimento de culpa por este sentimento egoísta por “ver-se livre do filho”, só que esta sensação  de alívio é normal, afinal mãe, você é somente um ser humano que carregou um fardo pesado por muito tempo. Não é fácil ser mãe de um dependente químico.  Após as sensações contraditórias após a internação, vem a saudade, use esta saudade como elemento químico entre você e seu filho, escreva milhares de cartas para ele, não se envergonhe de mandar 3 cartas na mesma sexta-feira, isto faz parte do tratamento, seu e dele, aprenda através das cartas a transmitir sensações, pois essas sensações são bálsamos para o coração doído e o corpo cansado do seu filho. Alimente-o com suas palavras de amor, esperança e fé.




11ª. etapa.
Voltar aos bancos da escola.
Reaprenda a ser mãe, esposa, mulher. Reaprenda a viver, procure ser uma nova pessoa para quando ele sair da internação, uma pessoa mais forte, uma pessoa alegre, uma pessoa feliz, pois você sendo uma pessoa consciente e esclarecida, tem muito mais probabilidade de saber pegar na mão do seu filho e conduzi-lo novamente ao nosso mundo de riscos, tentações e fantasias. Freqüente  grupos de auto-ajuda, inteire-se de resultados positivos, e também negativos para não cometer os mesmos erros. Participe de sua comunidade. Não se esconda debaixo da cama. Seja uma nova mulher, uma nova mãe, para que ele seja também um novo homem, um novo filho, longe das drogas.


12ª. etapa.
Só o corpo não consegue caminhar.
Arrastar-se pela vida, rastejar de tristeza, ser um poço ambulante de lamentações não trará nunca elementos de força para a vida, nunca te fará uma mulher forte.  O maior ELEMENTO que poderá te impulsionar a uma nova vida chama-se FÈ.
E esta fé se consegue através do diálogo pessoal com DEUS. Sem ele você será sempre somente uma casca, um envólucro sem conteúdo. Esta força não surge do nada, esta força se adquire no hábito e na experiência da oração, da esperança, do sorriso e da crença de um DEUS SUPREMO, que dia-a-dia será uma sementinha que vai germinando na sua vida, criando raízes e gerando frutos para uma vida espiritual mais harmoniosa.
Aprenda a ser livre do medo e DEPENDENTE DO AMOR DE DEUS  .


Agda Meneses

e-mail     agdademetrio@gmail.com

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Uma visita de amor

Uma visita de amor.

Após longa espera, a família fica ansiosa pelo dia da visita, e, na ânsia de agradar, termina enfiando os pés pelas mãos, contrariando normas e propósitos, e não absorvendo tudo de bom que este dia oferece.

A visita é para que a mãe e o pai melhorem o relacionamento com o filho, iniciem um diálogo, aprendam a conversar entre si, aprendam a respeitar as idéias um do outro e principalmente aceitem suas falhas, afinal, ninguém é perfeito, mas o ato de tentar aceitar deve contar como crédito.

A internação é um reaprendizado. Família e recuperando têm muito o que aprender, e é bonito e saudável reaprender, quando o coração está aberto para tal ato, e reaprender é  também reconhecer que o recuperando “está tentando”.

A recuperação não acontece com o isolamento, nem com a terapia ocupacional. A recuperação acontece com o auto-conhecimento, com a desintoxicação principalmente da mente, posteriormente do corpo, e com a certeza da presença de Deus em sua vida. Isto vale também para a família, porém, muitas vezes, é mais difícil a desintoxicação familiar, porque o dependente já tem conhecimento que precisa desintoxicar, limpar seu corpo e sua mente... A família não.

O dia da visita foi criado não para expor o interno, como numa vitrine, para o restante dos parentes.: ¨Olhe como ele está bonito, gordinho...¨ Já se foi o tempo das historinhas de Joãozinho e Maria... O dia da visita foi criado para que interno e família crie novos laços, mais saudáveis, mais carinhosos, com mais diálogos, mais conhecimentos de ambas as partes. E isto ocorre quando há privacidade.


Quando se fala em mais carinho não significa mais presentes, mais comida, mais tênis, mais roupa bonita, e sim de mais AMOR...

No dia da visita, não perca tempo com materialismos, aproveite o tempo para conhecer o íntimo do seu filho, e dar abertura para que ele também lhe conheça, pois o afastamento do passado é passado, você só tem o hoje para viver, então aproveite-o. Às vezes um cafuné, um colinho  e um sorriso transmite uma mensagem de amor maior que a frase “Estamos torcendo por você”... Ou “ Eu sabia que você ia conseguir...”  Como sabia, se ele mal começou a caminhada?

Mãe, não chegue estressada porque está cansada por ter acordado de madrugada pra fazer aquela lasanha gostosa, aquele vatapá de “tirar o chapéu”... Às vezes ele realmente gostaria de almoçar uma comida gostosa, mas uma família em harmonia supera qualquer paladar, sendo harmoniosa, afinal, quando os jovens saem à noite não curtem um X-Salada, um Hamburguer, um Sanduichão??? Então? Porque gastar uma fortuna numa lasanha, pra levar sacolejando pra lá e pra cá? Pra lembrar do quê?

A palavra mágica é recomeço, é reaprendizado, é auto-conhecimento, e para isto nunca será necessário um batalhão na visita, quanto menos pessoa melhor, porque para isto não será necessário testemunhas, simplesmente dar os primeiros passos...


1º. Deixe as más notícias pelo lado de fora do portão.

Você deverá ser mensageiro(a) de esperanças, não de intrigas.
As más notícias irão ajudar seu filho em quê? Como ele poderá resolver problemas, se ele próprio, por enquanto, ainda é uma incógnita? Você não se acha auto-suficiente pra dar um “jeitinho brasileiro” na situação? Família guerreira é aquela que procura sempre o caminho mais produtivo para o resgate ao seu filho.


2º. Tranque o pessimismo e o mau humor numa caixinha bem resistente.
Quando o pessimismo tentar sair, dê uma gargalhada, isto o inibirá e o forçará a ficar trancado.
O mau humor é uma péssima companhia para ti e para os outros, além de torná-la(o) um(a) chato(a) e te dá uma úlcera danada. Faça do bom humor seu cartão de visitas e viva melhor.


3º. Seu umbigo neste dia não foi destinado a dirigir fogão ou pia.
Este dia é para você voltar a ligar-se ao filho pelo cordão umbilical. Sente-se e deixe-o deitar no seu colo. É hora do cafuné e do diálogo.
O tempo da visita é tão curto, então porque perder tempo dirigindo fogão??? Vá curtir seu filhão... Vá enchê-lo de beijos e abraços...


4º. Não tenha vergonha mostrar que você é.
Não se envergonhe de dizer pro seu filho que não sabe como iniciar uma conversa amigável com ele, mas que aceita sugestão. Simplicidade e verdade são componentes homogêneos básicos para tal prática.
Se ambos também quiserem curtir o silêncio coletivo nada impede, desde que a sintonia de carinho esteja entre vocês. O importante não são as palavras, e sim o sentimento que os liga.


5º. Aprenda uma matemática diferente.: 
                                   
Reaprendizado = 8 horas por dia (dividido) por 2 visitantes (igual) 4 horas para cada hum (pai/mãe).

Para quem teve uma vida inteira e conheceu tão pouco de si e do filho, 4 horas é muito pouco, e se dividir com 5 pessoas (limite por visita), resta somente uma hora e meia em média para cada visitante.


6º. Aprenda a sonhar
Após trancos e barrancos, é hora de sonhar, planejar, ter esperanças para o futuro, e um sonho é bom quando é partilhado. Partilhe seus sonhos com o filho, o marido, a família. Sonhar não é pecado, porém sonhe dentro das possibilidades de realização.
Quando sonhamos tornamos nossa dor mais amena, porque há esperança de dias melhores, de um futuro mais promissor.


7º. Mostre que também está caminhando.
Comunique ao seu filho os seus progressos na caminhada, isto dará mais confiança a ambos, pois ele sabendo que uma nova realidade o espera aqui fora, fortalecerá seu intuito de prosseguir na caminhada. Quando a família não muda, o recuperando tem medo de encarar o mundo aqui fora, pois sabe que suas bases familiares estão frágeis, não lhe dando sustentação emocional.




A visita observada por uma terceira dimensão.

Mais parece uma revoada de colibris. Ajeitam a jaqueta, o boné com a aba pra frente já não está bem, será que o cabelo está assanhado o suficiente  pra ficar legal?
Os anos não parecem ter passado pra esses jovens que esperam suas famílias. São crianças, tal qual o meu foi um dia, alegria incontida pela expectativa da chegada, a chegada da sua família, e brincam, empurram, saltitam e tudo vira uma farra saudável.

A síndrome da manada, formação em  ¨L¨  em frente ao portão da Fazenda da Esperança, como se fosse uma coreografia ensaiada, mas são somente vontades comunitárias idênticas, sonhos parecidos, objetivos de coletividade, como se a proximidade de um emprestasse forças ao outro. Ansiedade misturada com alegria e saudade

Esta espera me fez lembrar de muitas outras esperas.: 22:00hs, 23:00hs, meia-noite, duas da manha... e cadê o filho? Pais em angustia e filhos na droga... E hoje uma espera... 9:00hs, 10:00hs, 11:00hs... Não são os pais que esperam, são os filhos... E não com angustia, mas com saudades, não com medo, mas com alegria...   Este é um reverso da espera... 

Seus rostos brancos, morenos, compridos, redondos apresentam uma única expressão, sorrisos através dos olhos, dentes à mostra provando que há alegria e sonhos, e me pergunto.: 
- Será neste momento mais um broto de amor nascendo nesses corpos tão mutilados pela droga? 
- Será nestes rostos tão bonitos que renasce uma nova vida? Sinto vontade de esquecer que em cada rosto presente há uma trajetória de destruição e tristeza, mas não podemos viver de sonhos e amnésias, temos que viver a realidade da lenta recuperação, da reaprendizagem familiar, do recomeçar do zero.

A cada família que chega o interno se entrega na felicidade do abraço, no beijo do amor, na alegria do reencontro, e sente o calor da presença familiar aquecer a dor do isolamento, e sinto um grande orgulho de ter a honra de presenciar a exposição de um sentimento tão profundo que é a esperança aflorada em cada fisionomia.: da mãe, do pai, do filho.

Mas há outras realidades neste trabalho de recepcionista-porteira, a realidade da família que comparece à visita vestida com o sentimento da obrigação, trazendo a tiracolo o rancor do passado como um manto de mau-humor , uma nuvem de tristeza tapando o sol da alegria do recuperando, e tudo murcha como uma flor de onze-horas, que a um pequeno toque se fecha,  não permitindo que a luz faça parte de sua rotina, a luz do renascimento.

As famílias não precisam comparecer trazendo quilos de comida, basta que na sua bagagem tragam mais algumas gramas de esperança, de boas novas,  de riso e amor, e com isto o dia da visita  se torna um dia realmente especial, pois foi para isto que ele foi criado – Para ser um dia especial.

Outro aspecto que também não gostei.: A presença de veículos contendo 5 “amigos” e nenhum familiar.  Se não há o familiar, quem, na cidade, selecionou esses “amigos”? Será que no bolso desses “amigos”  não há o “consolo do lobo”?  O  “abraço de urso” ? O veneno  que os recuperandos  estão fugindo e ao mesmo tempo  ansiando?  Acredito ser um perigo, um risco,  a entrada dos “amigos” sem o acompanhamento do amigo verdadeiro, que é o pai e a mãe.

Outro risco é a maledicência, a fofoca doentia, onde a família procura deixar pelo lado de fora dos portões da Fazenda, mas que o “amigo” leva, às vezes sem a maldade mas com o despreparo da situação.:
-  “Pô, cara, tua mulher tá te metendo um chifre daqueles, meu...”  
- “Cara, vi tua namorada esta semana, puxa, tá gostosa à beça...”

São situações onde o medo da traição juntando com a vontade de cair fora, proporcionam combustível para a fuga da caminhada, e toda semente plantada pelo carisma da fazenda e pelo trabalho familiar se esvai em poucas horas de contágio com o ¨amigo¨.

A quantidade máxima de pessoas permitida para a visita são 5 pessoas, mas onde está a regra que é necessário ter “lotação esgotada”? Em que conceito  de amor diz que será realmente necessário ir 5 pessoas? Será que somente 2 ou 3 não aplacará tua vontade do abraço? Tua enxurrada de beijos? Às vezes duas ou três será mais capaz de preencher teus anseios de família do que a “lotação completa”.

As famílias deverão aproveitar essas visitas para aprender, ou reaprender a missão necessária do dialogo, do entrosamento familiar, do bate-papo descontraído. Estreitar o relacionamento pai-filho, esposa-marido, mãe-filho, e ir enriquecendo, mês a mês, este estreitamento familiar. Mas como reaprender esse método tão antigo e tão conturbado, que é o diálogo, se para onde se vira, há o primo, a tia, o amigo?

E os que ficam somente na expectativa da espera e a família não aparece? Seu sorriso murcha, sua expectativa se evapora, e fica a grande sensação do abandono, não importa os motivos da ausência. Acredito que o dia da visita é uma data totalmente necessária à presença dos familiares mais próximos, para tecerem juntos mais uma malha da vida, com fé, esperança e amor.




Gostei do meu dia de “recepcionista-porteira”, me fez apalpar com a alma, com a percepção, a alegria das famílias, a expectativa dos jovens, e a beleza do trabalho voluntário.

Parabéns Fazenda da Esperança, composto de todos que proporcionam sonhos ao mundo.
Agda (Agente da Pastoral da Sobriedade)

sábado, 9 de julho de 2011

A trilha cristã

Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus, e Ele é tão amoroso, que também os que não se deixam conduzir, também Ele o chama de meu filho.

Ser conduzido pelo Espírito de Deus é entregar-se à Sua Misericórdia, porque Ele, no seu grande Amor, nos fez seus filhos, para nos guiar e orientar no sentido da vida cristã.
Às vezes os caminhos cristãos são difíceis, porém a trilha para o Paraíso não é uma pista de autódromo, onde a velocidade é o ícone principal. Caminhar nos preceitos divinos há espinhos, pedras e obstáculos, que somente através da fé conseguiremos transpor.

Para que sejamos realmente filhos de Deus e que Ele possa nos guiar, temos que crer e a Ele nos entregar, com confiança, esperança e fé. Somente esses três elementos nos tornarão realmente filhos dignos de ser guiado por Ele.

Por que confiar? Porque através da confiança haverá entrega total, e confiar é não ter restrições emocionais, é não ter medo de dizer – Eu acredito em Deus – é sentir Sua presença e com ela sentir paz, mas para chegar nesse estágio muitas  “vergonhas”  devem ser superadas, porque professar a fé não é sociável e temos medos de sermos consideradas ’carocas ´... beatas... chatas.

Mas a esperança só vem através da fé. Para ter esperanças é necessário acreditar que existe horizonte e para visualizar horizontes da vida é necessário sonhar. Tudo de transforma num emaranhado de sentimentos, que impulsiona nossa vida e nos guia na direção

Por que ter esperanças? Porque nossa vida é permeada de sonhos, ilusões, planos, objetivos, e para alcançar tudo isto nós temos que ter esperança de realizá-los, e saber que esta realização nos trará felicidade.  Uma vida sem esperanças é vida vazia, então como propagarmos Deus se não O temos dentro de nós? Como dizer – Sou filho de Deus – se por dentro sou uma concha sem ostra?

Por que ter fé? Porque ela é a mola propulsora de nossa força, de nossa energia interior. Nossa resistência se torna elástica quando temos fé, porque, mesmo sentindo que nossa resistência está se esgotando, a fé nos impulsiona a seguir mais um pouco, a dar mais um passo.


Na caminhada cristã a nossa fé não elimina as pedras do nosso caminho, não retira os espinhos nem refresca a temperatura da vida, mas nos dá imunidade a muitos males, sara feridas dos nossos pés e cicatriza as chagas da alma, porque a nossa fé tem poder de nos tornar felizes apesar da dor.

E qual a vantagem de ser filho de Deus?
A vantagem da recompensa emocional, da alma fortificada, das passadas mais seguras, da alegria de caminhar com força, porque sob a proteção Dele não somos somente mais um, somos um “eu” amadurecido e fortificado.

E o medo da morte?
Esse medo é simplesmente sentimento de auto-preservação, medo do desconhecido, medo de partir e não ficar continuidade, medo de ir-se e não ter concluído tudo que se propôs.: Faz parte de nosso instinto natural, mas quanto mais fé menos medo, porque a morte é somente uma passagem para a vida eterna.

Porque esse apego aos filhos?
Porque eles são a nossa continuidade genética, nós queremos nos perpetuar através dos nossos filhos, para que nosso Dna prossiga através das gerações, e quando sentimos que nossos planos e nossos sonhos estão se afundando nas drogas, nós sentimos medo.

Comodismo cristão.
Seja o que Deus quiser... Foi Deus quem quis assim... Não vou remar contra a maré... Tudo isto são frases de acomodados, que tem preguiça de correr atrás de seus sonhos, de seus objetivos, se escondem através do comodismo, culpando Deus por sua vida sem perspectivas.
Deus nos deu o livre arbítrio para ser um toco inútil, somente sentindo a brisa passar, ou um guerreiro de si mesmo, que luta, busca, batalha e acredita na vitória, faz sua própria história a partir do momento em que sempre dá mais uma passada para a frente.

Existem os caminhos tortuosos, fáceis de trilhar mas difícil de se orgulhar, e são esses fáceis caminhos que nos desviam do nosso propósito maior – Sermos filhos de Deus.

A cada curva da vida em que procuramos desviar para nos afastarmos dos obstáculos, com atitudes ilícitas, mas nos afastamos da proteção divina, mais a nossa paz interior se debanda, porque quando o amor à matéria é maior que o amor ao espírito, mais nos afundamos em águas tenebrosas, e quando  pedirmos – Deus, me ajude... é que perceberemos que a distância em que  nos colocamos foi tão grande que nos tornamos menor que um grão de mostarda.

Nossa vida terrena é passageira, então procuremos trilhá-la com seriedade cristã, com fé, para que nossas pegadas não deixem rastros de lama e sujeira por onde andarmos, e sim o perfume suave da vida digna de filhos de Deus.

As pegadas pelo “asfalto da vida”  são fáceis, nosso inconsciente sempre busca a caminhada mais fácil, porque nosso organismo sempre será adepto ao “não sofrimento corpóreo”, mas são as caminhadas por espinhos que destilam os venenos do nosso espírito, portanto, quando a cruz for muito pesada, lembre-se que será somente uma fase para a destilagem, para no fim da “moagem”,  nos tornarmos uma pessoa melhor e mais espiritualizada, então valerá a pena ser cristão.

Agda Demétrio

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Nas asas da saudade

Nas asas da saudade.
Sempre foi meu amiguinho, minha “pouca sombra”, meu companheirinho de todo momento, quer seja dia ou noite, sol ou chuva.
Sua alegria era tão genuína quando me via após pequenas ausências, que eu não resistia e o abraçava, mesmo ele estando fedido. E ele retribuía sorrindo pelos olhos. Aquele sorriso que me fazia sorrir. Era amor, amor infinito no sentimento.
Mas a vida termina um dia. E terminou dia 13/04/11 às 12:30hs. Sem um gemido, um latido, um nada. Fiquei  com ele até o último momento, lhe dando chazinho, remédio, atenção e carinho, seu último suspiro foi na palma de minha mão, eu senti sua vidinha indo embora, nas asas da saudade.
Seu corpo amoleceu no momento da partida definitiva, como se um elo houvesse se rompido, como se todos os nervos do seu corpinho estivesse preso por um fio invisível e esse fio se rompesse de uma vez, e eu fiquei com o a sua cabecinha pendente na minha mão.
Seus olhos, antes cheios de amor e alegria, neste momento me olhavam sem vida, opacos, sem o brilho da sua alegria, e os meus embaçados pelo choro doído, de saudade e dor.
Vesti  nele uma de suas camisetas, que ele ficava tão bonitinho,  envolvi-o em lençóis, como para abrandar a solidão do seu corpo que ficaria embaixo da terra,  e o enterrei embaixo dos galhos da mangueira da minha casa, onde ele foi feliz por 6 anos, onde ele gerou 98 filhos.
Logo depois veio a chuva, como para chorar comigo o choro da despedida, e eu olho a chuva caindo pela janela e sinto que o “bolo”  da minha garganta só aumenta, e o coração dói a dor da saudade, a tristeza de não ter conseguido prolongar sua vida e a certeza que nunca mais haverá outro Pitu.
Joguei fora os seus lençóis, tia Cida lavou e guardou todas suas roupinhas, como para preservar sua lembrança, mas, independente de sua roupa ou sua cama, a lembrança e a saudade permanecerá sempre, provavelmente abrandada com o decorrer do tempo, mas sua passagem ficou definitivamente marcada nas nossas vidas.
A verdade é que eu gostaria de estar jogando fora somente esta dor, trocá-la pela alegria da sua presença, a “presença de Pitu”, a presença da alegria, a presença do amor inocente, onde cada balançada de rabo significava “eu te amo”, e a partida desse amor levou consigo um milhão de sorrisos que ele fez muitos rirem.
Sempre quando alguém lia em sua camisetinha “Posso ajudá-lo?”  e esse alguém perguntava na sua alegria.: “Em que ele pode me ajudar?”  sempre havia a resposta.: “No sorriso que você acabou de dar”...   Quantos sorrisos provocou nesses 6 anos? Quanto tempo vou demorar sem me lembrar de você e chorar?
Adeus, meu Pitu. Te amo demais.        Sua “mãe”    Agda
A história final de Agda e seu cãozinho Pitu.

domingo, 27 de março de 2011

Quando os olhos choram

Quando os olhos choram

Ele estava sempre ali, lambendo minhas canelas quando eu saia do banho, abanando um cototo de rabo, se fingindo de toco pra ganhar um afago.
É aquele amigo que sente a minha dor quando choro, quando me entristeço ele se achega e finge que é somente mais uma parte do meu corpo, colado à minha perna, ganho uma lambida no rosto quando me descuido, e ele ainda acha que Fez a maior graça do mundo, pois deixa a língua cair pro lado e se sente realizado por me mostrar que está ao meu lado e que é meu amigo.
Não me pede aval, não solicita reajuste de carinhos, só me pede emprestado mais um abraço pra me pagar em dobro logo depois. Se eu permitisse, ele me antecipava pulos e lambidas.
E um dia ele adoeceu... E eu descobri o tamanho de meu amor por ele. E ele a cada dia definhava mais... já não comia, não bebia, já não abanava o cotoco... quando me aproximava ele somente me olhava com um olhar embaçado, sem vida, sem alegria.
Ao procurar ajuda médica, na esperança da recuperação imediata, me deparei com as limitações da medicina veterinária.
Nos dias em que ele era estendido numa maca dura e fria pra tomar soro, eu sentava ao lado dele e torcia para que não só o soro circulasse pela sua corrente sanguinea, mas também um pouco da alegria que ele me proporcionou na sua curta vida de 6 anos, um pouco de alivio para a sua dor, um pouco de paz para seu pequeno corpo alquebrado pela doença.
E transcorre um dia... dois... três... e nada do meu amiguinho melhorar, só piora, eu vejo meu pequeno cãozinho definhando, morrendo, me abandonando, e foi nessa hora que percebi que não era somente ele quem precisava de mim, eu precisava muito mais dele, da sua companhia, da sua alegria, da sua amizade.
Quando começaram as convulsões, e o quadro neurológico piorou na sua fase terminal, ele  me olhava com aquele olhar apelativo como se gritasse.:
- Me ajude, estou sofrendo, você é minha protetora e minha amiga...
E quando eu vi que lágrimas escorriam de seus olhos, aqueles olhos que sempre brilhavam quando me olhava, aqueles olhos que sorriam quando eu surgia após breves ausências... a dor foi tamanha, como se houvesse um rasgo no peito, uma bola imensa descia pela minha garganta, e não foi mais possível conter o choro e a dor.
Ambas as lágrimas (minha e dele) sendo sinônimo de dor e angustia, e nesta hora tive que tomar uma decisão importante.: Interromper o tratamento médico, que mais nada podia fazer pelo meu amiguinho, abandonar aí o último fio de esperança  na medicina, e partir para o tratamento alternativo, onde o ingrediente maior é o meu grande amor e minha imensa fé, e o poder dos “chazinhos da vovó”, que cura desde paixão recolhida até achaques do corpo e da alma.
“Mãe”  e  “tia” revezavam-se nos cuidados, carinhos e chazinhos.
O chá de quebra-pedra, de gota em gota pelo canto da boca, para quebrar o gelo da morte e fazer os seus rins funcionarem.
O chá de pobre-velho, para que meu pobre amiguinho reagisse, não me abandonasse, pois minha necessidade afetiva por sua companhia era muito grande, eu ainda não estava preparada para perdê-lo.
A água de coco, pura, natural, no mesmo sistema, pois nem suas mandíbulas nem seu organismo tinham mais forças para sugar os alimentos, e ele precisava hidratar-se, caso contrário o líquido da vida secaria.
O chá de conta-de-lágrimas, para afastar a infecção desse montinho de ossos em que se transformou meu pequenino amigo.
A água de fubá, constante mais em pequenas doses, para que ele saiba que o alimento ainda faz parte de sua vida.
E principalmente amor, muito amor, para retribuir cada lambida, toda patada que um dia sujou minha roupa na hora de sair, todo latido de felicidade quando me via, toda abanada de rabo a festejar a minha presença, e mais importante ainda,  a fé.
Quando eu terminava de rezar o terço da quaresma, colocava sobre o seu corpinho quase sem vida o rosário de orações e pedia por ele.
Não é perjúrio, pois ele também é um ser vivo (ou quase vivo), que amou, brincou e foi feliz no seu pequeno mundinho onde eu fui o pilar mais importante para ele.
A cada respiração entrecortada, a cada nervo repuxado de uma convulsão, há o meu medo que seja o último suspiro.: e eu ficava no meu profundo dilema; que ele se vá logo e pare de sofrer ou se permanece lutando pela vida, para satisfazer meu ego egoísta e medroso ao me perguntar.:
- Como vou viver sem o meu “pequena sombra”  a me seguir por todo lado?

... E continua a maratona de chás, diálogos, abraços e afagos...

E no terceiro dia em casa, o cotoco se abana, já dá os primeiros passos cambaleantes, já levanta a pata traseira pra fazer xixi (e cai logo depois)... e eu começo a sorrir sozinha, inundada de felicidade por cada migalha de melhora, um riso interior que me aquece o coração.
E quando ele, por iniciativa própria, come o primeiro pedaço de bifinho (ele fica exigente no cardápio), eu sinto que meu peito vai explodir de tanta alegria.
Hoje, uma semana depois do pesadelo da quase-morte, ele já consegue até dar aquela sacudidela sem cair, já levanta a perna no poste sem levar um tombo, seu corpinho já não é um esqueleto ambulante, seu olhar já tem o brilho da vida.
Eu já me tornei novamente o seu centro de alegria do seu pequeno mundo inocente, e eu agradeço a Deus pela dádiva da vida, da fé e do renascimento.
Uma nova lição foi aprendida.: Devemos sempre ter esperanças, e perseverar na trilha da vida, pois com fé e determinação os caminhos se tornam mais luminosos e você resgata um bem precioso, a felicidade de mais uma vitória conquistada.
Obrigada Deus, por me devolver meu pequeno Pitu para mais uma longa caminhada, com amor, dedicação e muito companheirismo.

Essa foi mais uma odisséia da Agda com seu cãozinho Pitu.